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Atlântida – a verdade à luz de Platão

A Atlântida narrada em “Crítias” por Platão, afirmando a sua existência.

O mundo descrito por Platão no Timeu e no Crítias. A ilha de Posídon foi representada aqui com cerca de 7,5 milhões de km² (aproximadamente o tamanho da Austrália), procurando refletir o que Platão provavelmente tinha em mente com “maior que a Líbia e a Ásia juntas”.

AtlantidaMapadomundo O mapa-múndi de Hecateu (500 a.C.), mostra a concepção da época de Platão sobre a extensão da Líbia e Ásia (algo entre 6 milhões e 10 milhões de km²)

Segundo Platão, a ilha de Atlântida estava no oceano, do lado oposto às colunas de Hércules (atual estreito de Gibraltar) e era maior que a Libia (África do Norte) e a Ásia (Menor) juntas. Outras ilhas situavam-se nas suas proximidades e, para além de Atlântida, na margem oposta do Oceano, havia um continente, que “rodea todo esse verdadeiro mar (…), ao qual se pode chamar continente no sentido próprio do termo”. Quando os deuses partilharam o mundo, ela teria sido atribuída a Posídon:

 

Os deuses lançaram a sorte e dividiram toda a terra em lotes, maiores ou menores. Instituíram em sua própria honra cultos e sacrifícios. Foi assim que Posídon, tendo recebido como quinhão a ilha de Atlântida, instalou, em certo lugar desta ilha, os filhos que engendrara de uma mortal. Perto do mar, mas na altura do centro da ilha, havia uma planície, a mais bela, dizia-se, de todas as planícies e a mais fértil. E, perto dela, a aproximadamente 50 estádios (10 quilômetros) do seu meio, havia uma montanha de altitude mediana.

Sobre esta montanha habitava então um dos homens que, nesse país, eram originalmente nascidos da terra. Seu nome era Evenor [Εὐήνωρ, “de boas rédeas”], e vivia com uma mulher, Leucipa [Λευκίππῃ, “égua branca”]. Deram nascimento a uma única filha, Clito [Κλειτὼ, “célebre”]. A jovem atingira a idade núbil quando seu pai e sua mãe morreram. Posídon a desejou e uniu-se a ela. O deus fortificou e isolou em círculo os altos em que ela vivia. Para tanto, fez um cercado de mar e terra, pequenos e grandes círculos, uns em redor de outros. Fez dois de terra, três de mar, arredondando-os, por assim dizer, começando a partir do meio da ilha, do qual estavam sempre a igual distância. Assim, eram infranqueáveis, pois não haviam então nem batéis nem navegação. Foi o próprio Posídon que embelezou a ilha central, no que não teve dificuldade, sendo um deus. Fez jorrar de sob o solo duas fontes d’água: uma quente, outra fria, e fez crescer sobre a terra plantas nutritivas de toda espécie, em abundância.

Atlântida era, assim, atribuída a Posídon, deus da navegação e do comércio marítimo, que Platão, partidário da auto-suficiência planejada, julgava supérfluo e daninho à boa política, enquanto Atenas era atribuída a Atena, deusa da sabedoria. Ao mesmo tempo, a ilha é dotada em abundância, se não em excesso, de riquezas naturais capazes de tornar a vida mais que confortável – mas ainda assim seus habitantes a julgavam insuficiente e se lançaram a conquistar as “outras ilhas do mar” e as terras do Mediterrâneo “até o Egito e a Tirrênia”. Detalha o filósofo:

Pois se muitos recursos lhes vinham de fora, por seu império, a maior parte daqueles que são necessários à vida, a própria ilha lhos fornecia. Principalmente todos os metais duros ou maleáveis que se podem extrair das minas. Em primeiro lugar, aquele do qual conhecemos antes, além do nome, a própria substância, o oricalco (“cobre da montanha”). Era extraído terra em muitos lugares da ilha: era o mais precioso, depois do ouro, dos metais que existiam naquele tempo.

Paralelamente, tudo que a floresta podia fornecer de materiais próprios ao trabalho dos carpinteiros, o fornecia com prodigalidade. Também alimentava suficientemente todos os animais domésticos ou selvagens. Mesmo a espécie dos elefantes era aí largamente representada. Com efeito, não somente a pastagem abundava para todas as outras espécies, aquelas que vivem nos lagos, nos pântanos e rios, aquelas que pascem sobre as montanhas, e nas planícies, mas regurgitava para todos, mesmo para o elefante, o maior e o mais voraz dos animais. Por outra, todas as essências aromáticas que nutrem ainda o solo, em todos os lugares, raízes, arbustos ou árvores, resinas destiladas das flores ou dos frutos, a terra então os produzia e os fazia prosperar. Dava ainda frutos cultivados, e os grãos que foram feitos para nos alimentar, dos quais tiramos as farinhas. Produzia esse fruto lenhoso, que nos fornece conjuntamente bebidas, alimentos e perfumes (azeitona), esse fruto escamoso e de difícil conservação, que foi feito para nos instruir e entreter (romã), aquele que oferecemos após a refeição da noite, para dissipar o peso do estômago e aliviar o conviva fatigado (limão).

Platão conta como a ilha foi partilhada entre os filhos de Posídon e Clito, ou Cleito:

Posídon engendrou e criou cinco gerações de filhos homens, e gêmeos. Dividiu toda a ilha Atlântida em dez partes. Ao primogênito dos gêmeos mais velhos, destinou a morada de sua mãe e o lote de terra circundante, que era o mais vasto e o melhor. Estabeleceu-o na qualidade de rei, acima de todos os outros; fez destes, príncipes vassalos e a cada um deu autoridade sobre um grande número de homens e sobre vasto território.

A todos impôs nomes: o mais velho, o rei, recebeu o nome que serviu para designar toda essa ilha e todo o mar, que se chama Atlântico, porque o nome do primeiro rei que então reinou foi Atlas [Ἄτλας, “sustentáculo”]. Seu irmão gêmeo, que nasceu depois dele, obteve na divisão a extremidade da ilha, do lado das Colunas de Hércules, defronte à região chamada Gadírica [Γαδειρικῆς, “de Cádiz”], por causa desse lugar: ele chamava-se em grego Eumelos [Εὔμηλον, “de bons rebanhos”], e na língua do país, Gadiros [Γάδειρον]. E o nome que se lhe atribuiu tornou-se aquele do país.

Vale observar que Gadiros e Gadírica fazem referem-se a τὰ Γάδειρα, Gádeira, nome grego antigo da atual cidade espanhola de Cádiz, que deriva do fenício גדר, Gadir, “muralha”, “lugar amuralhado”, cognato de Agadir, nome de uma cidade marroquina.

Em seguida, daqueles que vieram na segunda geração, chamou a um Anferes [Ἀμφήρη, “o que leva para cima”], ao outro Evaimon [Εὐαίμονα, “bem hábil, perito”]. Pela terceira geração, Mnéseas [Μνησέα , “o memorável”] foi o nome do primogênito, Autóctonos [Αὐτόχθονα, “da própria terra”] o do segundo. Dos da quarta geração, chamou o primeiro Elasipos [Ἐλάσιππον, “o condutor de cavalos, o cavaleiro”] e o segundo Mestor [Μήστορα, “conselheiro”]. Na quinta, o que nasceu primeiro recebeu o nome de Azaes [Ἀζάης, “o seco, o árido, o quente”] e o que veio em seguida, o nome de Diaprepes [Διαπρέπης, “notável, distinto”].

A ilha de Posídon foi assim dividida em dez reinos, entre os quais o reino fundado por Atlas, a Atlântida propriamente dita, tinha a supremacia. Cada rei exercia o poder na parte que lhe cabe, mas a autoridade dos reis uns sobre os outros e suas relações eram reguladas pelos decretos de Posídon. A tradição lhes prescrevia isso, bem como uma inscrição gravada pelos primeiros reis sobre uma estela de oricalco, que se encontra no centro da capital, no templo de Posídon.

Os reis aí se reuniam a cada cinco, ou a cada seis anos, fazendo alternar regularmente os anos pares e os anos ímpares para deliberar sobre os afazeres comuns, decidir se qualquer um dentre eles cometeu qualquer infração e julgar. Quando precisavam administrar alguma justiça, atribuíam-se, mutuamente, fé da seguinte forma.

TemploAtlantida

Soltavam-se touros no lugar sagrado de Posídon. Os dez reis, deixados sós, após ter rogado ao deus para lhes fazer capturar a vítima que lhes seria agradável, punham-se a caçá-la, sem armas de ferro, somente com chuços de madeira e redes. Aquele dos touros que fosse apanhado, levavam-no à estela e o faziam degolar em cima dela, como era prescrito.

Sobre a estela, além das leis, estava gravado o texto de um juramento que proferia os anátemas mais terríveis contra quem o violasse. Depois de efetuarem o sacrifício conforme suas leis e consagrarem todas as partes do touro, enchiam de sangue uma cratera e aspergeiam com um grumo deste sangue a cada um deles. O resto, lançavam ao fogo, depois de haverem feito purificações em torno da estela. Em seguida, tomando sangue com taças de ouro, na cratera, e vertendo-o no fogo, fazem o juramento de julgar em conformidade com as leis inscritas sobre a estela, castigar quem quer que as tenha violado anteriormente, não infringir voluntariamente, para o futuro, nenhuma das fórmulas da inscrição, e só comandar e obedecer em conformidade às leis de seus pais. Cada um toma essa obrigação por si mesmo e para toda sua descendência.

A cidade de Atlântida

Atlantis02

Planta esquemática da cidade de Atlântida (esq.) e
detalhe dos anéis centrais (dir.), segundo Platão

Depois, bebiam o sangue e remetiam a taça como ex-voto ao santuário do deus. Após o que, tomavam uma refeição e ocupavam-se das outras obrigações necessárias. Quando vinha a noite, esfriado o fogo dos sacrifícios, todos vestiam belas roupas de azul sombrio e sentavam-se no chão, sobre as cinzas de seu sacrifício sacramental. Então, na noite, depois de extintas todas as luzes em torno do santuário, julgavam e sofriam julgamento, se um deles houvesse acusado outro de ter cometido qualquer infração. Feita a justiça, gravavam suas sentenças, chegado o dia, sobre uma tábua de ouro, que consagram, como recordação, assim como suas roupas.

O isolamento em que o deus quis deixar a cidade, infranqueável a navios, foi rompido pelos descendentes:

Recolhendo sobre seu solo todas essas riquezas, os habitantes da Atlântida construíram templos, os palácios dos reis, os portos, as docas secas, e embelezaram assim todo o resto do país na seguinte ordem. Sobre os braços de mar circulares, que rodeavam a velha cidade materna, logo lançaram pontes e abriram uma rota para fora e para as moradas reais. (…) Fizeram, começando pelo mar, um canal de três pletros (100 metros) de largura, cem pés (30 metros) de profundidade e cinquenta estádios (dez quilômetros) de comprimento, e levaram-no até o braço de mar circular mais exterior. Para as naus vindas de alto-mar, abriram uma entrada, como num porto. Aí abriram uma enseada, suficiente para que os grandes navios pudessem penetrar.

TemploPoseidon

A maior das barreiras de água, aquela onde penetra o mar, tem largura de três estádios (600 metros), e a de terra que se lhe seguia tem igual largura. No segundo círculo, a barreira de água tem dois estádios (400 metros) largura e a barreira de terra tem ainda uma largura igual. Mas a barreira de água que rodeia imediatamente a ilha central tem só um estádio (200 metros). A ilha, na qual se encontrava o palácio dos reis, tem um diâmetro de cinco estádios (um quilômetro). A ilha, as barreiras e a ponte – que tinha a largura de um pletro (33 metros) – circundavam inteiramente de um muro de pedra circular. Puseram torres e portas sobre as pontes em todos os lugares por onde passava o mar. Tomaram a pedra necessária de sob a periferia da ilha central e de sob as barreiras, no exterior e no interior. Havia da branca, da negra e da vermelha.

Ao mesmo tempo que extraíam a pedra, cavaram dentro da ilha duas bacias para navios, com o próprio rochedo como teto. E, das construções, umas são simples, e em outras, misturam as espécies de pedras e variam as cores, para o prazer dos olhos, e dão-lhes desta maneira uma aparência naturalmente aprazível. O muro que rodeia a barreira mais externa foi revestido, em toda a volta, de cobre, que lhe serviu de reboco. Recobriram de estanho fundido a barreira interior e, quanto àquela que rodeava a própria Acrópole, guarneceram-na de oricalco, que tem reflexos de fogo.

Construídas como barreiras para separar e proteger Clito e sua descendência do mundo exterior, os círculos de terra e água passaram a ser canal de comunicação e abrigo para os palácios os exércitos e as frotas de Atlântida: nos obstáculos de terra que separavam os círculos d’água, na altura das pontes, abriram passagens, tais que só uma trirreme pudesse passar de um círculo para outro, e cobriram essas passagens com tetos, tão bem que a navegação aí era subterrânea, pois os parapeitos dos círculos de terra se elevam suficientemente acima do mar.

Platão descreve em detalhes a ocupação dos círculos e, em especial, o templo de Posídon construído no centro:

O palácio real, no interior da Acrópole tinha a seguinte disposição. No meio da Acrópole, elevava-se o templo consagrado, nesse mesmo lugar, a Clito e a Posídon. O acesso era interditado, e era rodeado de um fecho de ouro. Foi lá que de início Clito e Posídon conceberam e deram à luz a raça dos dez chefes das dinastias reais. Lá, a cada ano, vinha-se das dez províncias do país oferecer a cada um desses deuses os sacrifícios da estação.

O santuário próprio de Posídon tinha o comprimento de um estádio (200 metros), a largura de três pletros (100 metros) e uma altura proporcionada. Sua aparência tinha algo de bárbaro. Revestiram de prata todo o exterior do santuário, exceto as arestas de espigão, e estas arestas eram de ouro. No interior, a cobertura era toda de marfim e inteiramente ornada de ouro, prata e oricalco. Os muros, as colunas, o pavimento, guarneceram-no de oricalco. Aí colocaram estátuas de ouro: o deus de pé sobre seu carro, atrelado com seis cavalos alados, e era tão grande que o cimo de sua cabeça tocava o teto. Em círculo, em torno dele, cem nereidas sobre delfins. Havia também no interior grande quantidade de estátuas outras, oferecidas por particulares. Em torno do santuário, no exterior, erguiam-se, em ouro, as efígies de todas as mulheres dos dez reis e de todos os descendentes que engendraram, e numerosas outras grandes estátuas votivas de reis e de particulares, originárias da cidade mesma, ou de países estrangeiros sobre os quais tinham soberania. Por suas dimensões e por seu trabalho, o altar respondia a esse esplendor, e o palácio real era proporcionado à grandeza do império e à riqueza dos ornamentos do santuário.

Quanto aos mananciais, o de água fria e o de água quente, ambos de generosa abundância e maravilhosamente adequados para uso, pela amenidade e virtudes de suas águas, eles os utilizavam, dispondo em torno deles construções e plantações apropriadas à natureza das águas. Instalavam em redor tanques, uns a céu aberto, outros cobertos, destinados aos banhos quentes no inverno: havia, separados, os banhos reais e os dos particulares, outros para as mulheres, para os cavalos e para as outras alimárias, cada um com a decoração apropriada.

A água daí proveniente, conduziam-na ao bosque sagrado de Posídon. Este bosque, graças à virtude do solo, compreendia árvores de todas as essências, de beleza e altura divinas. Daí, faziam correr a água para as barreiras exteriores por canalizações construídas ao longo das pontes.

Desse lado, foram construídos numerosos templos para muitos deuses e jardins e ginásios para os homens, e picadeiros para os cavalos. Estes foram construídos à parte nas ilhas anulares, formadas pelas barreiras. Dentre outros, para o meio da maior das ilhas, reservavam, para as corridas de cavalos, um picadeiro da largura de um estádio e o bastante longo para permitir aos cavalos fazer, na corrida, a volta completa da barreira. Em derredor, por toda a extensão, a distâncias regulares, havia casernas para quase todo o efetivo da guarda do imperador. O melhor corpo de tropa estava alojado na menor das barreiras, a mais próxima da Acrópole. E para aqueles que se distinguiam dentre todos por sua fidelidade, foram-lhes afetados alojamentos no interior da Acrópole, perto do palácio imperial. Os arsenais estavam plenos de navios de guerra e todos os acessórios necessários para armá-las, e o todo era postado em perfeita ordem.

Enquanto o palácio e suas dependências ocupavam a ilha original e suas barreiras, a cidade propriamente dita crescia para além dos limites da última barreira, ocupando uma área com cerca de dez quilômetros de raio:

Quando se atravessavam as portas exteriores, em número de três, encontrava-se uma muralha circular, começando pelo mar, e mantendo a distância de cinquenta estádios (dez quilômetros) da maior barreira, que formava o maior porto. Esta muralha vinha se fechar sobre si mesma na garganta do canal que se abria do lado do mar. Era totalmente coberta de numerosas casas, umas ao lado das outras. Quanto ao canal e ao porto principal, regurgitavam de naus e mercadores vindos de todos os lugares. Sua multidão causava aí, dia e noite, um contínuo burburinho de vozes, um tumulto incessante e diverso.

O interior de Atlântida

Junto à cidade, estendia-se uma vasta planície retangular de 600 quilômetros de comprimento e 400 quilômetros de largura a partir do mar, que foi circundada por um fosso. Conforme escreveu Platão, quanto à profundidade, largura e desenvolvimento deste fosso, o que se diz é difícil de crer. É difícil acreditar que uma obra saída das mãos do homem tenha tido, por comparação aos outros trabalhos desse gênero, tais dimensões. Foi cavado com trinta metros de profundidade e sua largura é constante, de duzentos metros. Como é cavado em torno de toda a planície, seu comprimento é de dois mil quilômetros. Recebe os cursos d’água que descem das montanhas, faz a volta à planície, retorna de um e de outro lado para a cidade, e de lá, esvazia-se no mar.

Da parte mais alta desse fosso, canais retilíneos, com a largura aproximada de trinta metros, cortavam a planície, indo juntar-se ao fosso, perto do mar. Cada um deles distava dos outros vinte quilômetros. Para carregar para a cidade a madeira da montanha, e para levar, de barco, os outros produtos de estação, cavaram-se, a partir dos canais, derivações navegáveis, de direção oblíqua umas em relação às outras e em relação à cidade. Seus habitantes colhiam duas vezes por ano os produtos da terra: no inverno, utilizavam as águas do céu; no verão, as que a terra dava, dirigindo sua corrente para fora dos canais.

A planície foi dividida em distritos com a extensão de dois quilômetros por dois, dos quais havia, no total, sessenta mil. Cada distrito fornecia um chefe de destacamento. Cada chefe de destacamento era responsável por fornecer para a guerra um sexto dos carros de combate, somando dez mil carros; dois cavalos e seus cavaleiros, ou uma parelha de cavalos sem carro, comportando um combatente montado encarregado de conduzir os dois cavalos, dois hoplitas; dois arqueiros; dois fundibulários; três infantes ligeiros armados de atiradeiras; três outros armados de dardos, e enfim, quatro marinheiros, para completar a equipagem de mil e duzentos navios. A planície, portanto, contribuía para as forças armada com 120 mil cavalos, 840 mil soldados e 240 mil marinheiros.

Esta região estava orientada com a face para o Sul, e ao abrigo dos ventos do Norte. As montanhas que a rodeavam ultrapassavam em beleza quaisquer outras deste mundo. Havia nessas montanhas numerosas cidades, ricas em habitantes, rios, lagos, prados capazes de alimentar inumeráveis bestas selvagens ou animais domésticos, florestas em tão grande número e essências tão variadas que davam em abundância materiais próprios para todos os trabalhos possíveis. Os habitantes das montanhas e do resto do país também eram em número imenso, e todos, segundo suas localizações e as cidades, eram repartidos entre os distritos e sob o comando de seus chefes de destacamento.

A Atenas pré-histórica

Attica

Mapa da Ática no período clássico

A maior parte dos que se interessam pela Atlântida de Platão negligenciam completamente a descrição que Platão também dá da Atenas dessa época, embora ela seja dada antes da descrição de Atlântida e seja igualmente fundamental para o entendimento do mito. Sinal de que o filósofo fracassou em seu propósito didático: fascinados pelas maravilhas naturais e arquitetônicas que Platão atribuiu à Atlântida, os leitores deixaram de lado a pequena, sóbria e virtuosa Atenas que saiu vitoriosa de seu relato. Deixaram de tirar a pretendida lição de ética e política e, pelo contrário, identificaram-se com a corrupta, luxuosa e imperialista Atlântida.

Segundo o relato de Platão, a cidade de Atenas coube, na partilha, a Atena e Hefesto, ou seja, à sabedoria e à técnica, ao pensamento e ao trabalho. De comum acordo, os dois deuses a povoaram de autóctones – ou seja, de humanos nascidos ou criados do próprio solo.

A maior parte dos que se interessam pela Atlântida de Platão negligenciam completamente a descrição que Platão também dá da Atenas dessa época, embora ela seja dada antes da descrição de Atlântida e seja igualmente fundamental para o entendimento do mito. Sinal de que o filósofo fracassou em seu propósito didático: fascinados pelas maravilhas naturais e arquitetônicas que Platão atribuiu à Atlântida, os leitores deixaram de lado a pequena, sóbria e virtuosa Atenas que saiu vitoriosa de seu relato. Deixaram de tirar a pretendida lição de ética e política e, pelo contrário, identificaram-se com a corrupta, luxuosa e imperialista Atlântida.

Segundo o relato de Platão, a cidade de Atenas coube, na partilha, a Atena e Hefesto, ou seja, à sabedoria e à técnica, ao pensamento e ao trabalho. De comum acordo, os dois deuses a povoaram de autóctones – ou seja, de humanos nascidos ou criados do próprio solo.

Nessa Atenas, os homens e as mulheres tinham direitos e deveres iguais, inclusive em relação à guerra: a representação de Atena armada seria uma lembrança disso. Enquanto a maioria dos cidadãos trabalhava no campo ou nos ofícios, a classe dos guerreiros vivia à parte, possuindo em comunidade tudo o que necessitava para viver e recebendo dos demais cidadãos um salário moderado na forma de sua alimentação anual para proteger a cidade.

Platão acrescenta que desempenhavam todas as funções que descrevera ao falar dos “guardiães que havíamos imaginado”, ou seja, na cidade ideal de A República. Os melhores dentre a classe dos guerreiros eram escolhidos para serem os guardiães. Depois de completarem o estudo de ginástica e música dado a todos, estudavam filosofia por cinco anos e depois retornavam à vida militar por quinze anos para, aos 50 anos, entrar na classe governante e passar a ter no poder sua única posse.

O casamento, portanto, era coletivo, assim como o cuidado das crianças. As uniões sexuais eram determinadas por sorteio (na realidade, manipulado pelos guardiães para que os melhores tivessem filhos com as melhores) e eram tomadas precauções para que ninguém soubesse de quem era pai, de maneira que todos se vissem com pais, mães, irmãos ou filhos. As crianças que fossem julgadas indignas da classe dos guerreiros seriam entregues aos demais cidadãos para serem criadas.

Esses guardiães cuidavam para que o número das mulheres e dos homens capazes de portar armas fosse sempre o mesmo, ao redor de uns vinte mil. Segundo Platão, eram conhecidos em toda a Europa e Ásia pela beleza de seus corpos e pela virtude de suas almas e eram os líderes livremente aceitos de toda a Hélade.

As fronteiras de seu país se estendiam do istmo de Corinto ao Cíteron e ao Parnes, abarcando Oropia, mas deixando de fora o rio Asopo – ou seja, algo maior que extensão tradicional da Ática, o território da cidade-estado de Atenas (que não incluia Oropia, nem alcançava o Istmo). Naqueles tempos, segundo Platão, a terra desse país era muito mais fértil, capaz de alimentar um grande exército e isentá-lo do trabalho da terra. Quatro dilúvios, ao longo de nove mil anos, haviam carregado suas terras “gordas e macias” para o mar, deixando como que “um esqueleto de um corpo desgastado pela enfermidade”, um espinhaço rochoso. O campo de Feleo, que no tempo de Platão era apenas um terreno pedregoso, havia sido coberto de ricas glebas. Sobre as montanhas onduladas, havia extensos bosques, desaparecidos na época em que Platão escrevia. A água das chuvas não se perdia no mar depois de correr sobre a terra estéril, mas se acumulava nos leitos argilosos de onde corria na forma de rios e fontes.

A Acrópole, que no tempo de Platão era o morro onde se localizava o Pártenon, era então uma ampla plataforma plana e estendia-se “até o Erídano e o Iliso, compreendia a Pnix e, pela parte oposta à Pnix, estava limitada pelo monte Licabeto”, ou seja, abrangia aproximadamente a área de toda a cidade de Atenas de seu tempo. Uma só noite de dilúvio, o o terceiro antes da catástrofe de Deucalião, teria desnudado a área, deixando apenas a colina que mais tarde serviu de fortaleza a Atenas, antes de se tornar um santuário. Acropolis

A periferia e as encostas da Acrópole estavam habitadas pelos artesãos e agricultores que cultivavam os campos ao redor. A parte superior era ocupada apenas pelos guerreiros, que viviam à parte, em torno do santuário de Atena e Hefesto. Haviam levantado a seu redor um recinto único, como em torno do jardim de uma só residência. Dentro dela moravam na parte exposta ao norte, em alojamentos comunitários, nos quais haviam instalado refeitórios para o inverno. Tinham tudo que precisavam, mas não ouro ou prata, dos quais não se serviam. Mantinham-se eqüidistantes da abundância excessiva e da pobreza servil, em moradias graciosas e bonitas que transmitiam a seus descendentes.

Na parte exposta ao sul, havia jardins, ginásios e refeitórios, que abandonavam durante a estação quente. No lugar onde se ergueria a Acrópole, havia uma grande fonte única que abastecia a todos com uma água generosa e igualmente sadia no verão e no inverno. Desta fonte, no tempo de Platão, restavam apenas pequenas bicas dispostas em círculo.

Essas instituições teriam inspirado as de Sais, que no tempo de Platão era a capital do Egito. Essa capital seria mil anos mais jovem que essa Atenas pré-histórica, da qual teria tomado as artes e ciências, a separação das classes em castas fechadas (sacerdotes, artesãos, pastores, caçadores, agricultores e soldados) e a forma dos armamentos, escudos e lanças.

Isto permite a seguinte comparação entre a Atenas pré-histórica e Atlântida:

aspecto Atenas pré-histórica Atlântida
divindades protetoras Atena e Hefesto que “concordam no mesmo amor das ciências e das técnicas” Posídon, deus do mar, do poder e do comércio marítimo
origem Autóctones, nascidos iguais e que se relacionavam como irmãos em uma cidade-estado republicana Reis nascidos do intercurso de Posídon com uma mortal, separando-se pelo sangue divino da massa dos súditos
economia Agricultura e artesanato; riquezas limitadas, produção em função das necessidades, auto-suficiência Poder marítimo e comércio exterior, profusão de recursos naturais aos quais se junta um colossal desenvolvimento econômico e urbanístico (portos, canais, arsenais) e os tributos de um império ultramarino.
cidade De proporção média, equilibrada nas suas construções, limitada nas suas necessidades, sua liderança é livremente aceita pelos vizinhos. Imenso império insular, progressivamente ganho por uma sede de conquista e avidez de hegemonia.
sociedade Separação rigorosa das classes, de acordo com o modelo de A República. Classes progressivamente pervertidas pelo gosto do dinheiro e do poder.

O destino de Atlântida

 

Este é o final do Crítias:

Durante numerosas gerações, e enquanto dominou nelas a natureza divina, os reis (de Atlântida) escutaram as leis e permaneceram ligados ao princípio divino, com o qual tinham parentesco. Os seus pensamentos eram verdadeiros e grandes em tudo; usavam de bondade e também de discernimento em presença dos acontecimentos que sucediam e uns em relação aos outros.

Assim, desdenhosos de todas as coisas para além da virtude, faziam pouco caso dos seus bens: transportavam como um fardo a massa do seu ouro e das suas outras riquezas, não se deixavam embriagar pelo excesso de sua fortuna, não perdiam o domínio sobre si mesmos e caminhavam retamente.

Com uma clarividência aguda e lúcida, viam bem que todas estas vantagens aumentam pelo afeto recíproco unido à virtude, que, pelo contrário, o zelo excessivo para com estes bens e a estima que por eles se tem fazem com que eles próprios se percam, e que também a virtude pereça com eles. Por efeito deste pensamento e graças à presença permanente do princípio divino neles, todos os bens que acabamos de enumerar não cessavam de crescer em seu proveito.

Mas, quando o elemento divino começou a diminuir neles, por efeito do cruzamento repetido com numerosos elementos mortais, quado dominou o caráter humano, então, incapazes daí em diante de suportar sua prosperidade presente, caíram na indecência. Pareceram disformes aos olhos dos homens clarividentes, que tinham deixado perder os mais belos dos bens mais preciosos. Pelo contrário, aos olhos de quem não sabe discernir que gênero de vida contribui verdadeiramente para a felicidade, foi então que pareceram perfeitamente belos e bem-aventurados, cheios como estavam de avidez injusta e de poder. E o deus dos deuses, Zeus, que reina pelas leis, e que certamente tinha o poder de conhecer todos esses fatos, compreendeu que disposições miseráveis tomava esta raça, cujo caráter primitivo havia sido tão excelente. Quis aplicar-lhes um castigo, a fim de os fazer refletir e de os reconduzir a uma maior moderação. Para este efeito, reuniu todos os deuses, na sua mais nobre morada: esta situa-se no centro do Universo e vê do alto tudo o que participa do Devir. E tendo-os reunido, disse:

Assim termina o relato, que Platão deixou incompleto por razões desconhecidas. Entretanto, o livro anterior, o Timeu, havia antecipado parte da história que o filósofo deixou de desenvolver. A Atlântida, que já dominava sua própria ilha, muitas outras ilhas do Oceano, partes do continente do outro lado do oceano e inda a Líbia até o Egito e a Europa até a Tirrênia (Etrúria ou Toscana, parte ocidental da Itália), concentrando mais uma vez suas forças, tentou subjugar a Grécia e o Egito e assim dominar a totalidade da bacia do Mediterrâneo.

A cidade de Atenas, entretanto, fez brilhar aos olhos de todos seu heroísmo e sua energia. Primeiro à cabeça de todos os helenos, depois abandonada pelos demais, à beira dos maiores perigos, acabou por vencer os invasores, preservou da escravidão aos que nunca haviam sido escravos e libertou a todos os demais povos do interior das Colunas de Hércules, inclusive os egípcios. Entretanto, no período subseqüente, houve terríveis terremotos e cataclismas. Durante um dia e uma noite horríveis, todo o exército de Atenas foi tragado de um só golpe pela terra e a ilha de Atlântida afundou no mar e desapareceu. “Por isso, ainda hoje esse mar é difícil e inexplorável, devido a seus fundos barrentos e muito rasos que a ilha deixou ao afundar-se”.

Referências

  • Pierre Vidal-Naquet, Os Gregos, os Historiadores e a Democracia. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
  • Platão, Obras Completas. Madrid: Aguilar, 1990.
  • Geneviève Droz, Os Mitos Platónicos. Lisboa, Publicações Europa-América, 1993.
  • L. Sprague de Camp, Continentes Perdidos. Lisboa, Livros do Brasil, s/d
  • Bernard Suzanne, Plato and his dialogues [1]
  • W. Scott-Elliot, Atlântida e Lemúria, Continentes Desaparecidos. São Paulo: Pensamento, 1995
  • Annie Besant e C. W. Leadbeater, O Homem: donde e como veio, e para onde vai?. São Paulo: Pensamento, 1995.
  • Geoffrey Ashe, A Atlântida, Rio de Janeiro: Fernando Chinaglia, 1996.
  • Stephen E Franklin, “Alignment of Hebrew, Egyptian, and Assyrian Chronologies: The Origin and Solution of the Problem [2]
  • Frederick S. Oliver, A Dweller on Two Planets [3]
  • Historic Atlantis in Bolivia [4]
  • Atlantis, the Lost Continent Finally Found [5]
  • William Almeida de Carvalho, “Tsunami e Atlântida: Uma Revolução Moderna no Conhecimento da Atlântida” [6]
  • Chat com Arysio Nunes dos Santos